sábado, junho 29, 2013

O Pesadelo



A luz da lua não era suficiente para iluminar o campo, e a aura de morte pairava sobre todo o local. A jovem olhou ao seu redor,e a visão da destruição e de todos os cadáveres ensanguentados fez com que sentisse o gosto de bile em sua boca.

Não se lembrava ao certo como havia chegado lá, mas de algum modo sabia se tratar de uma guerra, causada por uma rebelião, talvez. Os gritos enchiam seus ouvidos, e as pessoas correndo ao seu redor não passavam de um borrão indistinto em meio à fumaça de casas em chamas.

Balançou a cabeça, tentando clarear  os pensamentos: seu irmão. Precisava achar seu irmão. Há muito já não via seu pai; talvez fosse um dos mortos caídos. Mas seu irmão, ah, ele er muito novo para a guerra. Na opinião dela, mas não havia escolha.

Uma explosão em algum lugar ali perto a levou de volta à realidade, e ela voltou a correr. Ouvia os soldados marchando atrás de si, e mais gritos.

Correu por mais alguns metros, e o campo se tornou praticamente vazio. Algumas sombras se moviam, quase no limite da visão. Eram pessoas? Por apenas alguns segundos, a esperança tomou conta de si, e ela voltou a correr. Ele estava lá, tinha que estar. Então, compreendeu porque o campo estava tão vazio. Como podia ter sido tão boba? Tentou voltar atrás, mas já era tarde.

A mina terrestre explodiu, e a visão da jovem escureceu. Ela sentiu todo seu corpo pegar fogo, e tudo se apagou.

***

A luz do sol entrou no quarto, e bateu no rosto da jovem adormecida. Ela acordou de repente, suando frio por causa do pesadelo que tivera. Era isso, fora só um pesadelo. Então, um grito ecoou do andar de baixo da casa, e ela sentiu o pânico crescer dentro de si novamente. Levantou da cama, se dirigiu até o quarto do irmão, e confirmou o que mais temia: ele não estava na cama. O pesadelo estava apenas começando.

quinta-feira, junho 27, 2013

O pecado da Bailarina



Pequena bailarina, sonhadora e perdida
Cansada do seu viver
Marionete,
quase sem vida

Quer o que lhe faz mal
Tem certeza que de que pode sobreviver!
Uma pequena dúvida surge em sua cabeça
E sua vontade continua confidencial

Necessita do inexistente
A saudade a domina
Enquanto a nostalgia a consome
Como eram as coisas antigamente?

As luzes do palco se apagam,
e a pequena começa uma oração silenciosa
Os pés se movem nos tão conhecidos passos, sem qualquer tipo de sentimento
Como lutar contra a escuridão perniciosa?

Precisa do perdão universal,
mas ora, qual foi seu pecado?
A trilha sonora melancólica chega ao fim;
E ela poderá descansar, afinal.

terça-feira, junho 25, 2013

O brilho das Estrelas

(para Mica)


A menina levantou da cama, onde passara a maior parte do dia, mas mal sentiu os pés tocarem o chão frio. Não prestou atenção em seu próprio caminho, quando se dirigiu ao banheiro, onde escovou os dentes, e trocou de roupa. Voltar para a cama também não a fez se sentir mais confortável. A garganta seca ainda lhe incomodava, e ela já não conseguia mais chorar uma lágrima que fosse. Se cobriu, e adormeceu mais rápido do que achava ser possível.

O sol iluminava a praia, e ela adorava a sensação da areia entre os dedos de seus pés. Não era raro ela ir à praia, mas quando ia com ele, certamente era muito mais divertido. Até mesmo a mais simples das coisas os faziam rir - como um pequeno passarinho querendo voar contra o vento. Mas o que a mais fazia sorrir, na verdade, era sua companhia. Seu sorriso iluminava tudo ao seu redor, e o azul dos seus olhos era mais brilhante e intenso que o próprio mar. A promessa era bem simples: nunca iriam se separar. Porém, nem todas as promessas são cumpridas.

A jovem não entendia o porquê, e nem gostava de se lembrar como ele havia partido. Era tão injusto. Ela aprendeu, num curto período de tempo, como a vida é injusta, especialmente com os bons.

Acordou suando frio, embora não tivesse tido nenhum pesadelo. As memórias dos mais diferentes momentos atravessando sua mente ao mesmo tempo. Respirou fundo alguns minutos e, já mais calma, se levantou para abrir a janela. Olhou para o céu estrelado, e finalmente entendeu. Ele nunca havia a deixado, afinal de contas. Ele estava certo. Amigos de verdade nunca partem. Um sorriso pequeno brotou em seus lábios e a menina voltou para a cama, ainda pensando nas estrelas, tão brilhantes quanto os olhos dele.

domingo, junho 23, 2013

Marionete





(para Nym)



Dançava a bailarina torta
Dançava até o sol se pôr
Dançava a bailarina torta
Bailava à procura de um amor


Ginny Weasley estava cansada de tudo a sua volta. Sempre fora tratada como nada mais do que a jovem Weasley, protegida por seus irmãos, como uma delicada bailarina, capaz de quebrar ao mais simples movimento. Mas, ora, a pequena bailarina já estava quebrada! Porém, agora a menina se sentia mais livre do que nunca, longe de quase todos os irmãos. E o que mais a bailarina poderia fazer, se não dançar, agora que ela própria poderia fazer a  música para sua tão bem treinada coreografia?

Não mais controlada por alguém, pôde sair dançando por onde quer que houvesse luz; toda a escuridão de estar apaixonada pelo menino que sobreviveu já estava cansando-a. A escuridão, porém, a atraía. Assim como o olhar misterioso daquele que ela nem mesmo havia tido a chance de tocar. Afinal, o que mais era preciso? Ele a entendia como ninguém nunca havia feito.

Cada segundo passado era como uma eternidade, em que ela se empenhava em descobrir cada detalhe possível sobre ele. Ao mesmo tempo, uma pequena voz em sua cabeça, que não parecia fazer parte de seu subconsciente, sussurrava-lhe: E já não basta? Sabe seu nome, o que mais é preciso?

Não era como se alguém pudesse lhe dizer o que fazer. A pequena bailarina agora agia por si só. Criou sua própria música, e a dançava em todos os lugares; não sabia onde poderia achar alguém que a valorizasse por sua própria personalidade, alguém que pudesse de fato apreciar e aplaudir sua dança, ele parecia sua melhor opção. Esperava ansiosamente o dia em que poderia se provar e, depois de meses, a espera chegou ao fim. Aquele era o grande dia. 

Havia muito tempo que ela vinha conversando com ele, aquele da qual ela sabia tudo, mas ao mesmo tempo não sabia nada. Tinha certeza que com ele seria diferente, tinha que ser! Mas as coisas não saíram como o esperado. As vaias foram ouvidas, enquanto a pequena Weasley era morta. Então era isso. Mais uma vez ela estava errada; mais uma vez a pequena bailarina foi vaiada, e mais uma vez ela foi jogada no chão, como uma marionete com as cordas cortadas. Dessa vez, no entando, ela não poderia se levantar e voltar a dançar. Ficaria ali, no chão, como nada além de um boneco quebrado, uma bailarina torta que nunca mais poderia dançar sua tão adorada coreografia.

sexta-feira, junho 21, 2013

Nightmares






As trevas me perseguiam, mais uma vez. Era quase como um padrão, que não havia como se acostumar. Ouvia o choro desesperado de uma criança, mas não conseguia descobrir de onde vinha. Gritos aterrorizantes e vozes desconhecidas também chegavam aos meus ouvidos, junto com uma gargalhada sádica. Esta, porém, me era familiar. Era a minha risada. Sabia que, mesmo que o desespero e o desejo de fazer tudo aquilo parar fossem grandes, uma pequena parte de mim gostava de tudo aquilo. E essa parte de mim ria, com prazer cada vez maior.

Lentamente, todo o barulho se cessou, inclusive minha própria voz. A escuridão dominou, e não consegui ver mais nada. O desespero tomou conta de mim novamente. O que iria acontecer a seguir? Quase como se respondendo à minha pergunta, outra voz ecoou no silêncio sepulcral; suave e, ainda assim, grossa. Me assustava, como tudo o mais ali. Sussurrava palavras desconexas, e eu não conseguia identificar sua origem. Parecia estar em todos os lugares.

Então, tão de repente quanto começou, acabou. Abri os olhos, e a escuridão ainda dominava. Mas não era a escuridão assustadora e nefasta de meu pesadelo; estava em meu quarto, e podia ver alguns poucos móveis e objetos iluminados pelo luar que entrava pela janela.

Com um choque, percebi que o pranto da criança ainda se fazia presente, e a realidade me atingiu. Tudo aquilo de fato havia acontecido, e — eu me atrevo a confessar? — muito mais vezes do que eu parecia ser capaz de aguentar. Atravessei o quarto; meus pés descalços tocando o chão frio. Me debrucei sobre um berço de madeira, a fonte do choro.

Olhei a criança ali deitada, que diminuiu o choro quando me viu. Uma menina, enrolada em um lençol prateado. Seus olhos eram negros como a noite, como a escuridão que me cercava. Percebi que, no fundo, tudo aquilo fazia sentido. A compreensão me atingiu. De súbito, entendi de quem era a voz presente em todos os meus pesadelos, e me senti mais calma, como se a parte de mim que se sentia à vontade em cada sonho que julgava horrível finalmente tivesse assumido o controle. Os pesadelos nunca iriam me deixar, eram parte de mim, assim como a menininha, com o rosto manchado de lágrimas, na minha frente.

Você é a fonte de tudo, não é mesmo? Minha pequena criança, meu pequeno erro. Bem vinda ao meu mundo, conheça meus medos, filha do pesadelo.

quarta-feira, junho 19, 2013

Menina-anil

Não é nem um pouco sutil
Tem atitude meio hostil
Sempre escondida pelo sorriso juvenil
Gosta das chuvas de abril
Quiçá o inverno faça mais seu perfil
Da janela observa a noite, sentada no peitoril
Sorriso bobo, infantil
Essa é a sua realidade, menina-anil.

segunda-feira, junho 17, 2013

Luzes de Natal


(para o Luke)


Desceu as escadas de madeira, ignorando seus rangidos, e atravessou a sala de estar. Nada em sua decoração indicava ser véspera de Natal. Era um homem. Jovem, certo, mas um homem. E, segundo suas crenças, não deveriam comemorar o Natal. Não que ele não gostasse da data, oh, é certo que ele gosta! Mas ele apenas desistiu. De tudo. Costumava comemorar com a família, quando pequeno. Mas ele estava sozinho agora, e não via motivos para comemorar. Ele havia escolhido isso, e sempre fora um hábito seu escolher apenas uma entre duas opções opostas.

Acendeu um cigarro, e ficou ali, apenas observando a rua. Perdeu a noção do tempo e de quantos cigarros fumou. Não queria entrar e ter de lidar com a casa cheia de garrafas vazias de bebidas; não gostava daquele vício. Mas não fazia muita diferença, no fundo, pois sem as bebidas e o cigarro, não seria ele. Viu uma família passar, em direção à praça, provavelmente para ver o coro de crianças. Elas sempre se apresentavam nessa época do ano, mas ele nunca havia assistido. Poderia muito bem ouvir de casa, em seu mundo em ruínas particular.

Ele nunca iria admitir para ninguém, talvez nem mesmo para ele mesmo, mas sentia falta de como tudo era antes. Não era um pensamento frequente, porém. Quem sabe ele só sinta falta da comemoração natalina. Ele sempre gostou de ver a casa cheia e decorada, o conforto proporcionado. E das luzes. Ah, como ele sentia falta disso! As luzes sempre foram sua parte preferida em toda a festa. Mas não valia a pena pensar nisso.

Levantou-se quando o coral estava começando a terceira música. Caminhou com passos lentos de volta para a casa fria e cinzenta, assim como sua alma. Ignorou todas as garrafas vazias sobre a mesa, ligou a televisão velha, e sentou-se no sofá velho. Levantou-se pouco depois, e voltou a subir as escadas, em direção ao quarto. Equilibrou-se em cima de um banco qualquer, e tirou de cima do armário uma caixa de papelão, empoeirada e esquecida há muito tempo. Tirou dela um longo fio com minúsculas lâmpadas, que enrolou em torno da cabeceira da cama, e ligou na tomada. O quarto foi preenchido por luzes coloridas, exatamente como quando era criança.

Deitou na cama, e fitou o teto por alguns minutos. Pode ouvir fogos de artifício vindos da praça. Meia-noite. Fechou os olhos e adormeceu quase imediatamente, sem nem mesmo olhar de novo para suas tão adoradas luzes de Natal.

sábado, junho 15, 2013

Just a Dream





(com participação de Verenna Klein)

Abby percebeu-se num jardim. Era um bocado estranho, e ela se sentia muito pequena com os arbustos três vezes maiores que ela – não que fosse algo difícil: ela tinha sete anos e parecia uma bonequinha com o vestido e as maria-chiquinhas. Desfez o penteado com as mãos e sentou-se num balanço que lá havia.

A criança distraiu-se com o vai-vem do balanço, até que viu um pequeno ponto cor-de-rosa numa mesa. Uma borboleta, talvez. Levantou-se e foi até o móvel. Era, de fato, uma borboleta. Tentava levantar voo, mas não conseguia. Abby assistiu a cena durante alguns minutos, sem saber o que fazer.

— Ela não vai conseguir. — A voz chegou aos seus ouvidos, e ela se virou assustada. Podia jurar que, há apenas alguns minutos, estava sozinha no jardim.

— Quem é você? — A menina perguntou, com algum receio. A mulher que havia lhe dirigido a palavra era uma completa estranha, mas ao mesmo tempo lhe inspirava confiança.

— Ora, minha querida, nomes não são importantes; seus significados são muito mais, embora muito menos valorizados. Mas te chamam de Abby, não é mesmo?

— O que é você? — Abby não se importava em saber como a criatura sabia seu nome. Apenas sabia, então poupava apresentações chatas.

— Tenho vários nomes, mas você me chamaria de fada. — Os olhos da menina brilharam, mas a fada pôs um dedo em seus lábios e acrescentou: — Olhe, a borboleta desistiu agora.

— Desistiu do que?

— De viver, pequena.

Abby encarou a fada estupefata. A situação toda era estranha, e a pequena criatura cintilante – que não tinha mais que metade do seu tamanho – levantou-se e soprou a borboleta, que explodiu em pedaços coloridos.

— Por que você fez isso?

— Apenas a impedi de sofrer mais. — A fada deu de ombros. — Além do mais, é minha função.

— Eu pensei que fadas fossem boazinhas. — A menina murmurou. Sentia vontade de chorar, mas não faria.

— Eu seria má se a deixasse ali. Além disso, o sonho é teu, e a borboleta é parte de sua mente. Você que a permitiu morrer.

— Se isto é um sonho, o que você faz nele?

— Um aviso, como o que a borboleta ganharia se realmente existisse e pudesse sonhar.

— Que aviso?

— De morte. — Abby arregalou os olhos com a resposta inesperada. Tropeçou alguns passos para trás, e a fada suspirou, parecendo cansada. Como se tivesse passado por aquela situação inúmeras vezes. — Não aja como se eu fosse a culpada. O Destino é incompreendido, mas de vital importância. Imagine o caos que o mundo seria se não fosse por ele? Mas eu não sou o Destino, afinal de contas; apenas cuido para que ele seja cumprido.

Inocente como toda criança, Abby se surpreendeu com as palavras da fada. Nunca havia parado para pensar por esse ponto de vista e, apesar de fazer sentido, a ideia era, em si, cruel.

— Se isso é tudo coisa da minha cabeça... — ela começou, hesitante. — então pode acabar a hora que eu quiser, não é mesmo?

Ela nem mesmo esperou qualquer resposta da fada. Fechou os olhos, e desejou com todas as forças que tudo isso acabasse. Abriu os olhos, com receio. Nada havia mudado.


— Por que eu não posso voltar? — A pequena menina encarou a criatura. — Por que você tem que ser tão má?

— Eu não sou má, menina. Já irei deixá-la ir.

Abby olhou os olhos para a fada. Tinha quase chorado, mas depois resolvera que a fada não merecia suas lágrimas, então sacudiu a cabeça e espantou as lágrimas que queriam surgir.

— Então por que não deixa agora?

— Precisava dar-lhe isso. – murmurou e depositou um pequeno amuleto na mão da menina. – Agora vá.

E quando Abby piscou, já não estava mais no jardim. Sua cabeça estava apoiada ainda no vidro embaçado do automóvel, e seus pais conversavam um pouco quando ela acordou.

— Mamãe! Eu vi... – mas antes que a pequena pudesse narrar suas aventuras, sua mãe gritou. E, embora a pequena não tivesse consciência disso mais, o carro capotou pela ladeira, com o vidro estilhaçando-se em mil pedacinhos e o metal pressionando contra os corpos ensanguentados dela e de seus pais. Tentou chamá-los, mas não recebeu nenhuma resposta. Chorava muito, e sentia todo seu corpo doer. As palavras da fada voltavam à sua mente, e dessa vez a menina entendeu a gravidade do que lhe foi dito. Mais uma lágrima escorreu pela sua bochecha, e a menina fechou os olhos, pela última vez.

Talvez agora Abby voltasse para o reino dos sonhos, onde uma fada lhe diria verdades sobre tudo.

Fim.

quinta-feira, junho 13, 2013

Joana

Como uma filha de Zeus,
Aos céus queria subir
Fechou os olhos
E as estrelas pôde sentir

“Entre as nuvens!”
Era onde Joana queria estar
O mais alto que pudesse
Junto ao Sol poderia brilhar

Como um avião,
Joana decolou
E, mais alto do que nunca,
A menina sonhou


Raios e trovões
Eles lhe fariam companhia
Jamais lhe assustaram
Só lhe traziam nostalgia

A chuva não molhava seu cabelo
Estava alto demais para isso acontecer
Resolveu ignorar o pensamento
De que um dia teria que descer

Segundos, décadas ou milênios?
Perdeu a noção do tempo
E assim, bem aos poucos,
Desaprendeu a controlar o vento

Como uma nuvem que se desfaz
O sonho acabou
E tão rápido quanto subiu
Joana despencou.

terça-feira, junho 11, 2013

Como todos os Dias

Estava sentada numa mesa com apenas duas cadeiras, sozinha. Gostava do tempo quente, mas o sol atrapalhava sua vista e sua concentração, e por isso a jovem mulher estava do lado de dentro do pequeno café de sempre, na mesma mesa de sempre.

As pessoas conversavam ao seu redor, mas ela não entendia o que falavam; sequer as ouvia. Sua atenção estava voltada para o notebook na sua frente, com o mesmo arquivo, nunca terminado. Ao lado do notebook, uma xícara de capuccino, esquecida e com o conteúdo frio, com açúcar em excesso. Nunca o bebia, embora o pedisse todos os dias. Sabia que se não pedisse nada, não poderia ficar ali. A mesma garçonete que a atendia todos os dias também sabia disso, mas nunca fez qualquer tipo de reclamação. Ambas sabiam que aquele lugar era uma espécie de santuário para a jovem escritora.

Era acostumada à rotina. Usava sempre os mesmos tipos de roupa, os cabelos acaju soltos, e nunca havia trocado a armação dos óculos, quadrada e azul. Também estava acostumada a não saber de nada. Quem sabe isso fizesse parte de sua tão conhecida e adorada rotina. Repetia as mesmas perguntas durante todo o tempo, em sua própria mente. E nunca, durante todas as tardes que passara naquele café, conseguia respondê-las. Os pensamentos se misturavam, perguntas complexas com as observações mais simples, pedaços de conversa da qual se lembrava, ou que sua mente captava, como uma estação de rádio. No fim, sempre apagava tudo o que havia escrito no seu inseparável notebook.

Detestava isso. Toda sua vida dependia do que escrevia, ou assim gostava de pensar. Mas não tinha vida, como também não tinha nada escrito. Era sempre assim, mas dessa rotina ela não gostava. A repetia todos os dias haviam quase dois meses, mas era como se sempre fosse a primeira vez, pois nunca saia do lugar. Sempre ia embora com as mesma dúvidas e pagava pela mesma xícara de capuccino, da qual não bebia uma gota sequer.

Esperava o dia em que tudo mudaria, mas também tinha medo. Não sabia o que esperar dele. O desconhecido não faz sentido. Ajeitou os óculos de armação quadrada sobre o nariz, e voltou a digitar compulsivamente, embora não entendesse nem mesmo o que escrevia. Não entendia nada, embora visse e passasse por tudo de novo a cada dia. Colocou o ponto final de mais um parágrafo - que em breve seria apagado, de novo -, e sorriu. Havia entendido, enfim. Nada iria mudar, pois ela nunca achava a resposta! Ou talvez essa fosse a resposta.

Talvez tivesse achado a resposta, mas qual era a questão? Não, a resposta não era essa. O sorriso se alargou quando percebeu que seu medo era infundado. Pelo menos por enquanto. Não sabia o que deveria fazer. Talvez devesse ter medo da mudança antes dela ocorrer. Gostava da sua vida assim, no fundo. Talvez devesse ter medo depois das mudanças terminarem, porque só depois disso poderia dizer com certeza o que havia mudado para melhor. Riu de si mesma quando percebeu que pensava exatamente isso todos os dias, mas nunca nada mudava. E então, sem nem mesmo perceber, bebeu um gole do capuccino excessivamente doce. O mesmo de todos os dias.

domingo, junho 09, 2013

Como num conto de fadas


(para a Mahna)


A menina meio caminhava, meio pulava. Um sorriso brincava em seu rosto, como se soubesse de alguma coisa da qual mais ninguém tinha conhecimento. Muitos a olhavam como se pensassem que ela é louca, mas ela não ligava, muito pelo contrário; se divertia bastante com essa hipótese.

Esperava aquele dia há muito tempo, talvez desde sempre. Quando criança, sempre sonhara com contos de fadas, e nunca desistiu de viver um. Não por causa de príncipes com cavalos brancos, ou castelos e todas as suas riquezas. Não, isso nunca a impressionou. Mas se encantava por sereias, elfos e fadas. Conforme crescia, os sonhos diminuíram, como era de se esperar, mas nunca desapareceram. Não, apenas ficaram em algum lugar, dentro dela, adormecidos. E, agora, estavam acordados, e mais vivos do que nunca.

Há algum tempo atrás, conhecera seu sonho em pessoa. Isso porque Mah era, por completo, uma fada. E ninguém que a conhecesse bem, com seu jeito delicado e protetor, poderia discordar disso. Virou um costume para a menina, chamada Lívia, chamá-la de Fada Azul. Quando Mah se apresentou por esse nome, Lívia riu, pensando se tratar de uma brincadeira. Era verdade, porém. Não poderia duvidar por muito tempo, tendo como prova os olhos azuis cristalinos de Mah e - por que não contar esse detalhe? - Lívia podia jurar já ter visto uma aura azul da cor do céu em torno da amiga. Conversava com a Fada todos os dias, e sentia como se ela fosse uma irmã.

Alguns meses depois, porém, Mah parou de vir conversar com a menina. Ela se preocupou, ainda que soubesse o motivo do sumiço da Fada; ela estava com problemas no lugar de onde viera, apenas porque fez amizades durante o período em que estava aqui, na Terra. As visitas se tornaram cada vez mais raras, e Lívia perdeu toda e qualquer esperanças de um dia rever sua quase-irmã. Acordou, porém, numa manhã de primavera, e se surpreendeu ao encontrar a janela de seu quarto aberta, e uma tulipa roxa no peitoril. Não tinha qualquer tipo de bilhete, mas Lívia tinha uma boa sensação a respeito daquilo. Embora ainda fosse cedo, se arrumou e se dirigiu a um pequeno parque, no centro da cidade, onde conhecera Mah. Não sabia exatamente porque estava fazendo isso, mas algo lhe dizia que deveria ir para lá.

O dia estava igualzinho ao que conheceu a menina-fada, percebeu. O céu estava claro, e o sol brilhava, mas o calor não era grande. Um grupo de crianças brincava, e alguns idosos faziam caminhava. E, ao olhar para os balanços pendurados em árvores, há poucos metros de onde estava, percebeu uma certa menina de olhos azuis como o céu, e aura tão tranquila quanto era de verdade. O sorriso se alargou ao perceber que, de fato, conhecera uma fada, como queria desde pequena. Seu coração se apertou quando percebeu que, assim como as Fadas Madrinhas dos contos de fadas que lia quando pequena, a Mah também teria que ir embora. Mas assim como as histórias, nunca se esqueceria dela.

sexta-feira, junho 07, 2013

Aurora em Redenção





A luz da aurora invadia o quarto, incidindo-se sobre uma jovem, caída ao chão. Os cabelos espalhados, como uma aura, emolduravam o rosto quase adormecido. Sentia a doce sensação de ser invadida pelo sono mais uma vez. O sofrimento de ser tirada de seu paraíso particular mais uma vez seria vencido; já não importava se ela era um anjo, cujas asas foram cortadas. Porém, a dúvida voltava a invadir sua mente: deveria resistir à tentação, como o bom anjo que fora um dia?

Oh, não, minha pequena criança, aproveite o momento. Sempre quis fazer isso sem culpa, não é mesmo? Pois então, o faça! Preste atenção em todo o campo florido à sua volta, no céu azul, no canto dos pássaros que lhe enche os ouvidos.

Faça isso, menina, faça o que quiser. Viva na luz do Sol, nade no mais azul dos oceanos, respire o mais puro dos ares.

Então, antes que caia a noite, com sua melancolia e solidão, volte para sua realidade. Se lamente, como faz todos os dias, chore cada lágrima que seu corpo é capaz de suportar enquanto se torna mais forte a cada batalha perdida. Mas não aja como sempre, não pense em desistir. Já deveria estar acostumada, de qualquer forma. É sempre assim. Não tenha pena do que é desumano, não se martirize pelo que não lhe diz culpa.

Adormeça em seu mais profundo sono, não se preocupe com o despertar; o teatro de seu paraíso há muito acabou, mas ainda há seu mundo encantado para lhe salvar.

quarta-feira, junho 05, 2013

Aleatoriedade Paradoxal



Menina aleatória,
não se sente à vontade
em sua natureza simplória
O que faz nesta cidade?

Vive para a misticidade,
ela é sua vida
Sonha com sereias, bruxas e fadas
Torne-as realidade!

Qual seu nome, sua identidade?
Verônica, Rebeca, Sofia
Não lembra sua idade,
Não vive em harmonia

Antítese e paradoxo,
nada mais faz sentido
Não sabe mais o que é ortodoxo
Atende apenas por seu apelido

Prefere outra dimensão
Seria ela irreal ou não?
Persistente,
mas ainda teme o perigo iminente

Apenas aleatória
Passeia pelos jardins,
perdida nos pensamentos,
pensando em seus vários fins.