domingo, julho 07, 2013

Tintura à Sangue



A jovem limpava o pincel, com cuidado. O quadro estava quase pronto. A paisagem era triste e sombria, de modo que as cores predominantes fossem o azul e o preto. Normalmente, usava cores alegres em suas pinturas. Porém, já usara o vermelho vezes demais; suas mãos ainda estavam sujas com a cor forte, fazendo contraste com as cores frias predominantes. Iniciara a pintura à cerca de um mês. Nunca demorara tanto para pintar um quadro, mas seu estado de espírito não ajudava. Fizera a paisagem baseada em si mesma. Ou melhor, em como se sentia.

Zoe sempre fora o tipo de pessoa explosiva. Carente, de fato, mas um tanto explosiva. Seus relacionamentos eram baseados no ciúme, e já perdera a amizade de muitos por causa desse sentimento. Mas não se perdoaria se o perdesse também. Afinal, estava tentando ao máximo manter a calma em situações de estresse e, graças a ele, descobrira na pintura mais do que um passatempo, mas uma nova forma de ver o mundo. Nunca antes imaginara que as cores pudessem expressar tão bem os sentimentos.

Em sua maioria, usava cores alegres, como o amarelo, o laranja e o vermelho; essas cores representavam bem a alegria que sentia quando estava com ele. A alegria que sentia em sua presença, no entanto, nunca fora suficiente para prevenir brigas. Muito pelo contrário, essas eram constantes. Haviam tentado todo o tipo de coisa para parar com isso, desde a velha terapia da pintura - de longe, a preferida de Zoe -, como também longas conversas, que acabavam em mais brigas. Era como se a tendência fosse sempre piorar, como se o relacionamento inicial perfeito que tiveram nunca tivesse existido. Ficava, de fato, cada vez mais difícil manter a calma, e nem sempre pintar ajudava. Mas nunca se sentira tão calma depois de uma briga como se sentia agora.

Pensava sozinha, ao mesmo tempo em que cantarolava baixinho uma música há muito esquecida. O melhor caminho a se tomar era fácil, bastava apenas não demonstrar seu ciúme. Afinal de contas, se não o mostrasse, não haveriam mais brigas. Mas não havia necessidade de tanto, achava ela. Não haveria mais briga nenhuma. A tão conhecida calmaria tornou a tomar conta de Zoe, quando ela finalmente terminou a pintura.
— Está pronto. — Sussurrou, olhando para o rosto daquele que tanto amara, agora sem vida. — Ficou bonito, não ficou?

Sua voz soava como a de uma criança que ganhara o presente de aniversário antes da data. A satisfação era óbvia. Um sorriso doce se abriu em sua face, ao olhar, com ternura, para a flor pintada em vermelho no quadro. Um bonito contraste com todo o preto dominante. De fato, agora parecia se encaixar exatamente no relacionamento passado de ambos: o preto misterioso e frio de Zoe, junto com o vermelho chamativo e cheio de vida dele. Bem, agora ambas as cores estavam relacionadas a ele. A partir daquele momento, ele poderia ver apenas o preto, e Zoe fizera questão de deixar sua marca, sua marca de orgulho, ciúme e violência no sangue que se espalhara na camisa outrora branca que ele vestia. Nunca mais irei quebrar o acordo que fiz comigo mesma, avaliou, enquanto lavava as mãos, sujas com sua tão adorada tinta-sangue.

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