sábado, fevereiro 08, 2014

Como todos os dias de um passado distante


As calçadas movimentadas pareciam vazias enquanto ele andava, olhando para seus próprios pés. Não porque tinha a importância de um rei ou algum soberano e as pessoas abriam caminho para sua passagem, e sim porque ele não se importava com quem estava ao seu redor. Era quase impossível contar em quanta gente ele tinha esbarrado, e recebera um xingamento em resposta, mas ele não ligava, e mal ouvia o que lhe era dito ou sentia os empurrões que recebia. Ele simplesmente andava, sem ligar para mais nada.

Era irônico como tudo mudava de acordo com seu humor, ainda que talvez seja assim com todos. Quando se está feliz, o mundo parece lhe sorrir de volta, mas quando se está de mau humor, tudo que se recebe em troca são xingamentos e esbarrões numa calçada cheia em uma cidade qualquer.

No bolso de seu sobretudo, o papel e a caneta pesavam mais do que pesaria uma arma. Com dificuldade, saiu do meio da pequena multidão que circulava na rua, e entrou em um café. Havia frequentado aquele local poucas vezes, e agora que voltara depois de tanto tempo, a nostalgia lhe atingia como um vento cortante do inverno.

Ainda não tinha se acostumado a não vê-la sentada ali, na mesma mesa de sempre. Se fechasse os olhos, ou ao menos se concentrasse um pouco mais, sabia que poderia enxergá-la, com os cabelos acaju soltos sobre os ombros, e os óculos com armação azul e quadrada refletindo a tela do notebook.

Pediu um cappuccino, com dose extra de açúcar, e mesmo depois da bebida já estar à sua frente, juntamente do papel e da caneta, ele parecia esperar algo que jamais chegaria. Esfregou os olhos, cansados. Sentia-a tão perto de si que quase doía.

Depois de respirar fundo, começou a escrever, quase entrando numa espécie de transe. Escrevia sobre tudo que pudesse pensar a respeito dela, mesmo aquilo que nunca diria se estivessem frente a frente. E, bem, talvez se o tivesse dito, não precisaria escrever agora, porque talvez, se tivesse dito tudo o que pensava, ela não tivesse ido embora.

O tempo parecia ter corrido mais depressa que o normal enquanto ele estava preso em seu mundo particular de memórias, e quando finalmente terminou de escrever, recostou-se na cadeira, suspirando.  Ao reparar no copo ainda intocado de cappuccino, riu suavemente,  percebendo como tudo aquilo era irônico. Havia acabado ali, bem onde sua história havia começado, onde havia conhecido-a. Justo ela, que sempre teve mais medo de mudanças do que ele sempre teria.

Ah, se soubesse que, se a ajudasse a superar os medos, ela fugiria dele, assim, sem pena! Ele confessaria, sem um pingo de pena, que não a ajudaria.

Uma vez lhe disseram que cílios, estrelas cadentes e velas de aniversário realizavam pedidos, bem como cartas atiradas ao vento, e ele acreditara, como também acreditara que o mundo era um lugar bom. Há muito ele deixara de acreditar em tudo isso, e até se acostumou a viver numa versão mais escura do mundo que criara pra si mesmo. O problema é que agora chegara ao ponto de voltar a acreditar em tudo isso, como última esperança que a fizesse voltar.

Mas como poderia atirar uma carta ao vento com a chuva que caía lá fora? Não poderia. Talvez seja um sinal de que não devo fazer isso, ele pensou, olhando os garranchos escritos rapidamente no papel. Talvez, só talvez, ele devesse seguir seus próprios conselhos e vencer o medo que um dia também fora dela. Tudo que precisava fazer era aceitar que ela tinha ido embora. Rotina não existia mais no vocabulário dela, e precisava voltar a sumir do dele. Nada acontece duas vezes da mesma maneira, nada voltaria a ser do mesmo jeito como todos os dias de um passado distante.

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