Dessa
vez não me demorarei muito, ou ao menos não pretendo. Nem mesmo sei
se chegarei a te enviar essa carta, um dia. Ao menos no momento, não
é nada mais do que um desabafo meu. Você sabe que falar sozinha
nunca me pareceu uma declaração de loucura, mas isso não está mais
funcionando comigo. Enquanto falo comigo mesma, meus pensamentos
apenas se embolam ainda mais.
Sabe,
sinto que as coisas continuam mudando. E rápido. Mesmo assim, quando
paro e olho ao meu redor, tudo parece desesperadoramente igual. Isso,
na verdade, acho que só prova o quanto mudei; desde quando mudanças
me parecem necessárias, e não assustadoras?
Cheguei
a um ponto em que não sei mais o que me faz bem. Gostaria de falar
mais contigo, mas nossa facilidade para manter uma conversa parece
estar se esvaindo pouco a pouco, bem como com Sophie. É claro que
isso não quer dizer que gosto de vocês com menos intensidade do que
gostava antes, mas é um fato perturbador. Acho que nem mesmo te
contei de Charlie, não é mesmo? Só prova o quanto nos afastamos.
Bem, não importa, eu não deveria mais falar sobre ele ou tudo que o
envolve.
Lembra-se
de como costumávamos olhar o céu, durante a noite? Era minha
terapia favorita, junto com as cores. Hoje em dia, porém, não
funciona tão bem assim, e te juro, me parte o coração admitir
isso. É claro que nem tudo mudou completamente. Sempre terei as
estrelas, e as estrelas sempre terão a mim. Mas não é como antes.
E,
em meio às minhas preocupações sobre mudanças – ou a ausência
delas –, ainda me pergunto se sou anil. Pode rir, e eu também
riria, se para mim não fosse tão trágico. Mas, entenda: ao me
perguntar isso, me pergunto se eu mesma mudei tanto assim. Quero
dizer, tudo isso são apenas mudanças bobas ou minha essência
também mudou? É difícil dizer tudo que ficou para trás. Acho que,
aos poucos, nos esquecemos dos detalhes do que tínhamos ou de quem
éramos.
Está
vendo? Fiz mais uma vez. Disse que não ia me demorar muito, mas aqui
estou, com outra carta mais longa que o necessário. Pelo menos isso
tenho certeza de que não mudou. Desculpe-me, acho que vou parar por
aqui. Inclusive, algo que reparei mudar em mim: eu não sinto. Não
como antes. Ainda não decidi se isso é bom, mas ao passo em que
antigamente eu sentia demais, hoje sinto de menos, durante a maior
parte do tempo. É claro que isso talvez seja só influencia de
Kallisto, afinal, você sabe que eu sempre acreditei que as manias de
outras pessoas são tão contagiosas quanto doenças. Mas acho que
você não poderia concordar ou descordar, uma vez que também não
conhece Kallisto…
Ainda
não me decidi se lhe mandarei ou não esta carta mas, por via das
dúvidas: é bom falar contigo de novo, e espero que não se importe
com o desabafo mal contido e mal explicado. Quem sabe podemos
conversar melhor qualquer dia desses? Continuo sentindo sua falta. E,
por favor, cuide-se, sim? Eu cuidaria de você, se pudesse, mas no
momento mal posso cuidar de mim.
Daquela
que ainda não se adaptou às mudanças,
Lyra
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