domingo, maio 18, 2014

Querida Raine



Dessa vez não me demorarei muito, ou ao menos não pretendo. Nem mesmo sei se chegarei a te enviar essa carta, um dia. Ao menos no momento, não é nada mais do que um desabafo meu. Você sabe que falar sozinha nunca me pareceu uma declaração de loucura, mas isso não está mais funcionando comigo. Enquanto falo comigo mesma, meus pensamentos apenas se embolam ainda mais.

Sabe, sinto que as coisas continuam mudando. E rápido. Mesmo assim, quando paro e olho ao meu redor, tudo parece desesperadoramente igual. Isso, na verdade, acho que só prova o quanto mudei; desde quando mudanças me parecem necessárias, e não assustadoras?

Cheguei a um ponto em que não sei mais o que me faz bem. Gostaria de falar mais contigo, mas nossa facilidade para manter uma conversa parece estar se esvaindo pouco a pouco, bem como com Sophie. É claro que isso não quer dizer que gosto de vocês com menos intensidade do que gostava antes, mas é um fato perturbador. Acho que nem mesmo te contei de Charlie, não é mesmo? Só prova o quanto nos afastamos. Bem, não importa, eu não deveria mais falar sobre ele ou tudo que o envolve.

Lembra-se de como costumávamos olhar o céu, durante a noite? Era minha terapia favorita, junto com as cores. Hoje em dia, porém, não funciona tão bem assim, e te juro, me parte o coração admitir isso. É claro que nem tudo mudou completamente. Sempre terei as estrelas, e as estrelas sempre terão a mim. Mas não é como antes.

E, em meio às minhas preocupações sobre mudanças – ou a ausência delas –, ainda me pergunto se sou anil. Pode rir, e eu também riria, se para mim não fosse tão trágico. Mas, entenda: ao me perguntar isso, me pergunto se eu mesma mudei tanto assim. Quero dizer, tudo isso são apenas mudanças bobas ou minha essência também mudou? É difícil dizer tudo que ficou para trás. Acho que, aos poucos, nos esquecemos dos detalhes do que tínhamos ou de quem éramos.

Está vendo? Fiz mais uma vez. Disse que não ia me demorar muito, mas aqui estou, com outra carta mais longa que o necessário. Pelo menos isso tenho certeza de que não mudou. Desculpe-me, acho que vou parar por aqui. Inclusive, algo que reparei mudar em mim: eu não sinto. Não como antes. Ainda não decidi se isso é bom, mas ao passo em que antigamente eu sentia demais, hoje sinto de menos, durante a maior parte do tempo. É claro que isso talvez seja só influencia de Kallisto, afinal, você sabe que eu sempre acreditei que as manias de outras pessoas são tão contagiosas quanto doenças. Mas acho que você não poderia concordar ou descordar, uma vez que também não conhece Kallisto…

Ainda não me decidi se lhe mandarei ou não esta carta mas, por via das dúvidas: é bom falar contigo de novo, e espero que não se importe com o desabafo mal contido e mal explicado. Quem sabe podemos conversar melhor qualquer dia desses? Continuo sentindo sua falta. E, por favor, cuide-se, sim? Eu cuidaria de você, se pudesse, mas no momento mal posso cuidar de mim.


Daquela que ainda não se adaptou às mudanças,

Lyra

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